balança, mas não cai

Juscelino Filho fala à Veja

Em uma entrevista à Veja desta semana, o maranhense Juscelino Filho abordou os episódios de acusações durante o primeiro ano à frente do Ministério das Comunicações, suas relações com o presidente Lula e a aliança de seu partido com o governo. Ele também delineou seu plano de trabalho para os próximos três anos. Ao assumir o cargo, viu-se no epicentro de uma série de eventos controversos, incluindo acusações de ocultação de patrimônio, alegações de utilização de emendas do orçamento em benefício pessoal e enfrentou até mesmo um pedido de busca e apreensão da Polícia Federal.

O filho de Juscelino Rezende compartilhou os detalhes desses episódios com a revista, revelando como conseguiu manter-se na Esplanada em meio ao fogo amigo, às pressões políticas e à opinião pública que pedia sua saída da gestão petista:

Neste primeiro ano de governo, o senhor foi alvo de múltiplas investigações da Polícia Federal. Isso não é constrangedor? Eu sempre tive muita tranquilidade em relação a esse assunto e digo que são ilações e acusações infundadas sobre uma investigação que corre num inquérito sigiloso. Além disso, pediram uma busca (contra mim) que foi negada, então isso fala um pouco por si. É papel do parlamentar destinar emendas, e eu coloquei esses recursos não só no meu município, mas em vários. Você destina o recurso para ajudar as pessoas e, dali para a frente, não tem ingerência sobre aquilo. Depois que virei ministro, apareceram fatos lá de 2017 e de 2018, época em que eu era deputado federal. Essas acusações, de alguma forma, tinham o objetivo de atingir também o próprio governo, embora nenhuma delas tenha fato que esteja relacionado ao ministério ou à minha atuação.

O senhor desconsidera a possibilidade de esse tiroteio ser reflexo de cobiça da sua cadeira ou de fogo amigo, já que até a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, veio a público pedir a sua demissão? Desconsidero. Sempre tive excelentes relações com vários quadros do PT, não tenho problemas com ninguém e sempre busquei criar relações de amizade dentro do Congresso. Em relação à Gleisi, foi uma questão pontual. A gente não se fala com frequência nem tem muita relação, mas a gente se respeita. Já nos falamos depois desse episódio e eu disse que estou à disposição dela e do PT.

Flávio Dino, que já foi seu adversário político no Maranhão, pode assumir a relatoria da investigação que tramita no Supremo. Isso é bom ou é ruim? Eu não tenho certeza de que ele vai assumir, mas vi que há rumores. O Flávio é um excelente jurista, tem um currículo incontestável, foi aprovado pelo Congresso para assumir uma cadeira na Suprema Corte e não tenho dúvida nenhuma de que vai ser um grande ministro do STF. Tenho plena tranquilidade na condução dele, como de qualquer outro ministro, de que vai ser feito o devido processo legal.

Já foi noticiado algumas vezes que o senhor seria demitido. Isso foi tratado com o presidente? Nada sobre mudança foi cogitado comigo — nem pelo presidente nem por ninguém do governo. Quando surgiram essas acusações, o presidente Lula me deu tranquilidade, disse que não ia fazer prejulgamento de ninguém e que eu tocasse o meu trabalho. Então, quando ele me deu esse conforto, busquei fazer isto: foco no trabalho e na entrega.

O Ministério das Comunicações sempre foi muito cobiçado e, antes de o senhor ser anunciado, o cargo estava prometido a um deputado do PT. Como chegou ao ministério? Todos sabem que eu represento um partido que está na base do governo e que ajuda a dar governabilidade. E todos também sabem que o presidente não tem maioria no Congresso. Então, ele precisava construir uma base de apoio que lhe garantisse tranquilidade para governar, e isso foi muito trabalhado e articulado, inclusive antes da posse.

Falando no seu partido, é correto o diagnóstico de que o União Brasil recebeu do governo mais do que entregou no Congresso neste primeiro ano? Não é correto. Fala-se em percentual de votação do partido, mas não em números absolutos. Se pegarem as matérias importantes do governo, o União Brasil sempre ajudou a aprovar com número significativo de votos da nossa bancada — números que posso dizer que giram em torno das mesmas votações que partidos como o MDB entregam. O que acontece é que o União Brasil é um partido bem maior, é a terceira maior bancada da Câmara, e tem quadros que se declararam de oposição e nunca votam com o governo. O articulador político sabe quem são esses parlamentares, e o partido nunca enganou o governo dizendo que iria entregar 100% dos votos. O governo sabe que pode contar com o União Brasil.

Com essas credenciais, o senhor considera justo que o partido ocupe no próximo ano a presidência da Câmara e/ou do Senado? Acho que o ambiente de eleição no Congresso Nacional corre internamente e naturalmente. De todo modo, nós temos quadros e líderes que estão postos como pré-candidatos e são nomes que têm envergadura política, que têm preparo, que têm condições totais de assumir desafios como esses. Acho que é legítimo pleitear e não vejo nenhum problema de o partido ficar com a Câmara e o Senado. Isso já aconteceu antes.

Enquanto deputado, o senhor apoiou a privatização dos Correios, estatal que agora está sob a sua alçada. Lula e o PT, como se sabe, são contra. É possível conciliar essas visões antagônicas? Depois que fui buscar conhecer mais a fundo o papel da empresa e o que ela pode fazer pela população brasileira, não tenho dúvida nenhuma de que ela tem um papel importantíssimo. Tanto do ponto de vista estratégico como de políticas públicas, podemos usar a capilaridade dos Correios presente em todos os municípios. Para mim, a maior empresa pública do país são os Correios. O presidente determinou que a gente buscasse o seu fortalecimento, a valorização dos profissionais, ampliasse os centros de distribuição e logística e buscasse melhorar os serviços para que a empresa retomasse o processo de investimento que estava parado.

Resumindo, o senhor mudou de opinião. Hoje eu defendo justamente esse fortalecimento da empresa usando essa sua capilaridade para o braço do governo chegar a todos os lugares, levando junto também algumas políticas públicas.

O senhor recebeu alguma missão específica do presidente? A nossa principal missão é levar internet banda larga para todas as escolas públicas do nosso país até 2026. É o nosso maior desafio. Estamos falando de mais de 138 000 escolas — claro que algumas delas já têm internet banda larga, mas não é um número significativo. O presidente falou para mim: “Eu quero que o filho do pobre tenha o mesmo acesso a um ambiente digital numa escola pública que o filho de alguém que tem condição de pagar uma escola privada”. É um desafio transformador. Melhorar o nível da educação é o caminho para atingir um IDH melhor.

O país está às vésperas de um processo eleitoral e o tema fake newscontinua em pauta e sem uma perspectiva de solução. O ministério participa dessa discussão? O debate sobre as fake news não pode esfriar. Alguns países estão avançando na regulamentação do ambiente digital, e acredito que o Brasil também precisa avançar. O governo designou a Secretaria de Comunicação para atuar diretamente neste tema. Do nosso lado, estamos buscando soluções no aspecto regulatório, de responsabilização e de taxação dessas grandes plataformas que consomem um percentual altíssimo do tráfego de dados das redes do país, faturam bilhões e não pagam nada.

Alguns países do mundo já iniciaram estudos para a implantação da tecnologia 6G. Aqui, ainda temos problemas com a 5G e parte da população nem sequer tem acesso à internet. Qual a razão do atraso?Nós estamos implementando e expandindo a rede 5G, e tem um cronograma do leilão que está sendo seguido. Nosso país já tem cerca de 320 cidades que estão com o 5G ativo. Antes, pela regulamentação antiga, a empresa tinha de garantir um mínimo de 80%, 85% de cobertura nas áreas urbanas, e agora nós aumentamos para 90%, 95%. Também ampliamos a velocidade mínima do 4G e do 5G, e estabelecemos parâmetros de qualidade mais rígidos.

Apesar disso, as reclamações relativas à qualidade da telefonia móvel são recorrentes. Em alguns lugares há até investigações parlamentares sobre isso. Com base nessas reclamações, nós instituímos uma “blitz” para monitorar a qualidade do sinal do 4G e do 5G nas cidades. Já fomos a Cuiabá (MT) e São Luís (MA), lugares que estavam às voltas com uma CPI da telefonia móvel. Os técnicos estão verificando o funcionamento do sistema, preparando relatórios, e estamos notificando as operadoras para que apresentem em até trinta dias as providências que pretendem tomar. As soluções têm de ser entregues em até seis meses. A ideia é a gente levar isso a todas as grandes cidades.

Que balanço o senhor faz do primeiro ano de governo? Um balanço extremamente positivo. Eu cheguei novo ao setor. Sou deputado federal e não tinha essa relação nem com o setor da radiodifusão nem com o setor de telecomunicações. Mas busquei, com muita humildade, dialogar, aprender e construir relações. Com uma área técnica competente e preparada, a gente pegou tudo aquilo que já vinha em andamento e era bom para poder dar sequência e entregar para a população. Esse é o papel do governo. E assim a gente fez em 2023. Apesar das turbulências, fechamos um ano com um saldo de realizações bastante positivo, avançamos e iniciamos 2024 com a expectativa de muita coisa boa a ser entregue.

Comenta-se que o governo pretende realizar uma reforma ministerial até o fim do primeiro semestre. O cargo de ministro é do presidente da República. O dia em que ele entender que não precisa mais de mim, vou agradecer honrosamente a missão que ele me deu e retornar para o Congresso Nacional, que foi para onde o povo do Maranhão me elegeu. Estou aqui temporariamente representando o meu partido, que hoje contribui para a governabilidade do país. Mas não há nada no horizonte que indique qualquer mudança nesse cenário.

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