Alcântara: Um calote espacial

Veja – com edição
Em 2003, o então presidente Lula criou, em parceria com a Ucrânia, a empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), para a construção de uma nova geração de foguetes e de uma base de lançamento em Alcântara, no Maranhão. O acordo previa para 2006 a estreia do país no bilionário mercado de satélites.
A Ucrânia se comprometeu a arcar sozinha com a produção do foguete, e os custos das obras civis seriam divididos por igual entre os dois países. A base, porém, só começou a sair do papel cinco anos depois da data prevista para a inauguração. E, em marco de 2013, as obras foram paralisadas por falta de pagamento. A ACS deve 96 milhões de reais às empreiteiras.
A Ucrânia acusa o Brasil de ter parado de investir no projeto, que já consumiu o equivalente a 2,6 bilhões de reais dos cofres públicos de ambos os países. Em 2013, dos 546 milhões de reais prometidos pelo Brasil, apenas 12% foram efetivamente transferidos para a ACS. No ano passado, o repasse representou só 3% dos 431 milhões de reais previstos.
Há duas semanas, o presidente da Agência Espacial Estatal da Ucrânia, Oleh Uruskyi, enviou ao ministro Aldo Rebelo, da Ciência e Tecnologia, uma carta afirmando que, como o Brasil deixou de cumprir com suas obrigações, seu país pagou 50,1 milhões de dólares – cerca de 144 milhões de reais – às construtoras, como um esforço derradeiro para salvar o projeto. Kiev enviou outras cinco correspondências oficiais pedindo um posicionamento do Brasil. Nenhuma foi respondida, nem mesma uma assinada pelo presidente Petro Poroshenko e endereçada a Dilma Rousseff em julho do ano passado.
Quem tem mais a perder com o calote é o Brasil. O governo da Ucrânia estuda sair do projeto e associar-se a outro país para lançar o foguete, que já está 80% concluído. O Brasil será cobrado nas cortes internacionais para ressarcir o equivalente a 822 milhões de reais gastos pelos ucranianos.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação diz, em nota, que o projeto não foi suspenso, e que a crise política na Ucrânia “gerou grandes incertezas e prejudicou a interlocução em curso”. Uma explicação plausível é que o Brasil cedeu a pressões da Rússia, que apoia a guerra separatista do leste da Ucrânia, para abandonar a parceria espacial.
Documentos internos do Itamaraty divulgados na semana passada revelam que o chanceler russo pediu ao Brasil que não condenasse a atuação da Rússia na Ucrânia. No que foi prontamente atendido.
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